Eu já tinha de certo modo dado os últimos nós e feito os últimos laços na tese de doutorado quando me caiu mesmo a ficha acerca do tamanho das coisas que diz o historiador Reinhart Koselleck. Fiquei encantado com seus textos (e o utilizei em larga medida em uma disciplina) no primeiro semestre de 2017, depois que a Alexandra me deu de presente um exemplar de Futuro passado. De lá pra cá, acho que eu li tudo o que dele está traduzido para o português. Todavia, foi só lá por 2020, com a tese já praticamente pronta e em fase de retoques, que eu compreendi mesmo as razões de Paul Ricoeur para ter ficado tão encantado pelas categorias meta-históricas do autor. Eu já havia me enamorado pelo pensamento do hermeneuta francês, em especial por sua concepção de identidade narrativa, quando caí em Tempo e narrativa mais ou menos como Alice cai no buraco — isto é, meio que de propósito. Nesta trilogia, a gente tem a oportunidade de perceber certas afinidades eletivas entre o que se poderia chamar de “hermenêutica filosófica” e campos tão distintos dela quanto são a historiografia, a teoria da história, a história do romance e a teoria do romance. Curiosamente, é meio que enquanto filósofo que Ricoeur se serve de Koselleck contra ninguém menos do que Hegel (essa ficha caiu mesmo em meados do ano passado, no I congresso internacional da Rede Brasil-Ricoeur, na apresentação do amigo Rodrigo Augusto, para quem deixo meu abraço e minha gratidão aqui). Embora o próprio Koselleck tenha feito questão de se foracluir da filosofia — e da hermenêutica filosófica em especial — por meio de uma gentil diatribe iniciada como homenagem ao seu professor Gadamer, dizendo que uma coisa é teoria da história e outra coisa é outra coisa, saiu bem recentemente pela UNESP, em 2021, um livro que, quem sabe, na lenta temporalidade da boa filosofia, faça com que professores e estudantes de filosofia acabem lendo Koselleck, a saber, Uma latente filosofia do tempo. Eu, pessoalmente, gosto de ver hermenêutica filosófica e teoria da história separadas na medida em que separadas parece que ficam mais perto do que ficariam caso ficassem juntas. Mas isso é hipótese e impressão que pode mudar nesse semestre.
Considerando que vai fazer quase um ano que não cuido direito desse jardim de paixões que tão importante foi durante o limbo entre a defesa da tese e o início do pós-doc (acho que o artigo que — até hoje — mais gostei de escrever, mesmo sem saber bem o porque, é sobre isso), vou propor um grupo de leitura de textos mui seletos de Ricoeur e Koselleck para as gurizadas que, nas redes, se interessarem pela proposta de itinerário. Vou fazer a divulgação e, no caso de pescar algumas cabeças interessadas no que um hermeneuta francês e um historiador alemão dizem sobre nossa experiência, nossa compreensão e nosso conhecimento da história, passear por algumas das melhores páginas destes dois pensadores tão interessantes. O percurso é mais ou menos esse — com direito ao desfecho com um herdeiro de ambos:
Paul Ricoeur
Tempo e narrativa III
1. Renunciar a Hegel
2. Para uma hermenêutica da consciência histórica
3. A segunda aporia da temporalidade: totalidade e totalização
A memória, a história, o esquecimento
4. A condição histórica
Reinhart Koselleck
Estratos do tempo
5. Teoria da história e hermenêutica
6. Uma réplica de Hans-Georg Gadamer
Futuro passado
7. "Espaço de experiência" e "horizonte de expectativa": duas categorias históricas
8. História, histórias e estruturas temporais formais
9. Representação, evento e estrutura
10. Sobre a disponibilidade da história
Estratos do tempo
11. Existe uma aceleração da história?
12. Sobre a indigência teórica da ciência da história
Uma latente filosofia do tempo
13. Para que ainda investigação histórica?
Paul Ricoeur
A memória, a história, o esquecimento
14. A memória feliz, a história infeliz, o perdão e o esquecimento
François Hartog
Regimes de historicidade
15. A dupla dívida ou o presentismo do presente
Dependendo de como a coisa vai, vou partilhando aqui os resultados parciais das conversas sobre essa estranha condição que é a de existir historicamente. Por supuesto, as coisas só começam depois do carnaval.
Caro, achei muito interessante. Grato por partilhar! :)