Há 16 anos (e 29 dias, se bem me lembro), entrei no hoje mui démodé mundo dos blogs. Perto de concluir a faculdade de filosofia, eu não sabia direito o que queria quando comecei a postar e divulgar os registros do que me passava pela cabeça. E por uns dez anos cultivei um espaço no qual se misturavam reflexões sobre a filosofia e a literatura que ia alimentando minh’alminha juvenil e formando o tardio estoque de capital simbólico que me era dado adquirir no sacrossanto espaço da universidade pública brasileira, esse eldorado das pessoas que, como eu, vinham do ensino público e moravam nas periferias das cidades do interior do país. Às resenhas selvagens de livros - e mesmo de discos e filmes - se somavam, também, alguns resíduos e secreções de uma imaginação febril que tentava achar um estilo para transformar em ficção tanto a matéria-prima abstrata colhida nos livros quanto aquela mais concreta, extraída de uma espécie de engenharia reversa do vivido (sob inspiração de Milan Kundera e contra Jean-Paul Sartre, há muitos anos decidi concordar com a cláusula de que a boa ficção não pode nem deve ser - e nunca é - confessional). Com o tempo, o espaço foi ficando saturado de si mesmo - de mim mesmo - e iniciei outro, muito mais privado, discreto e bem menos interessante, no qual os textos eram quase (quase) exclusivamente os registros das leituras e das reflexões sobre as leituras. Sem mais muita consideração sobre discos e filmes e sem quase nenhum episódio de publicação de ficções cometidas (que continuaram sendo cometidas e produziram algumas coisas que já estão com mais tempo de gaveta do que deveriam), produzi, com muito mais regularidade do que anteriormente, um estoque de esboços e rascunhos do que seria - e também do que jamais viria a ser - uma tese de doutorado e uns artigos acadêmicos. Mas por um desses mistérios ocultos do éter informacional no qual vivemos, perdi, há alguns dias, o acesso ao espaço que eu vinha cultivando e que talvez também, depois de quatro anos, já estava ficando meio saturado do meu si-mesmo. Porém, conforme a sabedoria tautológica de Matrix, some things never change…
… and some things do. O que não mudou é que eu ainda quero manter o hábito de escrever y partilhar essa misturinha de lidos, vividos y otras cositas más que, quando vejo, estão escorrendo pelas pontas dos meus dedos. O que eu acho que vai ter que mudar, depois de 16 anos, é a plataforma. Quem é mezzo obsessivo sabe que esse tipo de mudança é às vezes bem difícil de fazer. Mas vou seguir o gesto exemplar do meu querido professor
(aliás, sigam o professor Ronai e acompanhem essa antropologia filosófica em estado de pleno desenvolvimento no site dele), que já mudou n vezes de plataforma, e vou vir pra cá. Mais ou menos como há 16 anos (e 29 dias, se bem me lembro), não sei bem o que vou fazer por aqui. No fundo, acho que vou fazer a mesma coisa que, com os privilégios da retrospecção e do aprendizado acerca do quanto a memória é uma província da imaginação, eu já fazia e já queria lá por 2007: comunicação e conexão. Mais ou menos no sentido em que Kim Krizan fala disso em Waking life, quando diz que (em tradução minha) quando nos “comunicamos uns com os outros e sentimos que estamos conectados e pensamos que somos compreendidos, acho que temos um sentimento de comunhão quase espiritual”, acrescentando que “esse sentimento pode ser transitório, mas acho que é para isso que vivemos”.Eu também acho.